No campo da Administração, alguns observadores vêm questionando se o Brasil conseguiu, nas últimas décadas, desenvolver um modelo de gestão próprio. Ter um modelo de gestão significa contar com uma forma característica de conduzir empresas, as quais devem ser, ao mesmo tempo, bem adaptadas ao ambiente interno e competitivas no ambiente internacional. Conseqüentemente, a existência de um modelo de gestão de sucesso levaria a vantagens comparativas para as empresas de um determinado país em relação às empresas dos demais países.
Algumas peculiaridades brasileiras influenciam na forma como as empresas são aqui geridas, mas não chegam a constituir uma base sólida o suficiente para alavancar um estilo próprio, capaz de levar as organizações locais ao sucesso no chamado mercado global.
Este ensaio procura avaliar se o Brasil possui ou não um modelo característico de gestão, capaz de se diferenciar de modelos de outros países. Porém, antes de apresentarmos nossa posição, convém rever alguns estudos realizados sobre o mesmo tema.
Não somos únicos. Para alguns pesquisadores, a cultura dominante em um país é a principal, embora
não a única, determinante de seu modelo de gestão.
Por exemplo, características como o individualismo e o racionalismo, traços distintivos da cultura norte-americana, fazem com que o estilo de gestão daquele país seja marcado pelo empreendedorismo e pelos métodos racionais de gestão. Por sua vez, o Japão é comumente citado pelos valores coletivistas de sua cultura, que são associados a métodos de gestão baseados no consenso e a uma grande ênfase no planejamento.
Neste ponto poderíamos então nos perguntar: haveria traços da cultura brasileira que nos diferenciariam do restante do mundo, tal como ocorre na cultura norte-ameamericana
ou na cultura japonesa? A resposta provavelmente é não, ao menos se levarmos em conta o que nos apresenta o pesquisador holandês Geert Hofstede, conhecido por seus estudos comparativos entre culturas nacionais.
Para Hofstede, as culturas nacionais podem ser comparadas segundo quatro dimensões principais:
(1) individualismo versus coletivismo;
(2) distância do poder;
(3) masculinidade versus feminilidade; e
(4) controle de risco.
Ao aplicar essas dimensões à classificação da cultura brasileira, o autor chegou a algumas características que nos aproximam de outros países.
Vejamos essa classificação e seus impactos sobre o desenvolvimento de um estilo próprio de gestão.
Individualismo versus coletivismo. O Brasil fica a meio caminho entre o individualismo
e o coletivismo, o que equivale a dizer que o indivíduo não é considerado exclusivamente responsável por seu sucesso, pois recebe a mediação de sua origem social, que provê uma rede de relações que determina o lugar que ele poderá ocupar na estrutura social ou organizacional. Tal condição pode também explicar a “diluição” dos processos de tomada de decisão, as dificuldades
para aumentar o grau de autonomia dos escalões mais baixos da hierarquia e a tendência para levar
as decisões, mesmo as mais simples, aos níveis gerenciais mais altos.
Distância do poder. O Brasil está entre as culturas consideradas com alta distância do poder. Em termos de gestão de empresas, esse tipo de cultura favorece estilos autoritários, cujo poder vem de cima para baixo, com centralização e dificuldades para a delegação.
Masculinidade versus feminilidade. O Brasil ocupa posição intermediária. Em termos de gestão de empresas, isso significa que nossa cultura favorece tanto estilos paternalistas (de cuidado, apoio e proteção) quanto estilos profissionais (baseados em valores masculinos, como competitividade e foco em resultado). Constituímos, portanto, um híbrido.
Controle de risco. O Brasil apresenta uma cultura marcada pela aversão ao risco, que pode ser percebida no fascínio brasileiro por carreiras no funcionalismo público, onde é, supõe-se, possível ter maior estabilidade e segurança de emprego. Em termos de gestão de empresas, isso leva a modelos mais conservadores e com baixo grau de empreendedorismo.
O trabalho de Hofstede mostra, portanto, que o Brasil não é singular. Em seu estudo, nosso país aparece ao lado de outros países latino-americanos e também da Europa mediterrânea, como Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Ou seja, nosso país não ocupa uma posição isolada.
Caso fosse o único a ter as características apresentadas a partir das dimensões propostas por Hofstede, poderíamos nos ver como excepcionais ou únicos, dotados de singularidade, mas não é esse o caso. Estamos sempre juntos de outros países, com os quais partilhamos alguns traços culturais.
Características negativas. Um outro estudo, realizado pelos pesquisadores brasileiros Marco Aurélio Spyer Prates e Betânia Tanure de Barros, segue a mesma trilha do estudo de Hofstede, apesar de trabalhar com variáveis distintas das empregadas pelo pesquisador holandês. Segundo esses autores, existe sim um “estilo brasileiro de administrar”, derivado de um “sistema brasileiro de ação cultural”, que distingue o país de outras nações.
Há, portanto, uma lista de traços marcantes no estilo brasileiro de gerir (vários deles negativos), tais como concentração de poder, flexibilidade, paternalismo, dependência, lealdade às pessoas, personalismo, impunidade, aversão ao conflito, postura de espectador e formalismo.
De forma complementar, Costa, Fonseca e Dourad, também pesquisadores brasileiros, consideram que o estilo de gestão brasileiro seria caracterizado por uma série de atitudes e comportamentos, tais como visão imediatista, que dá prioridade à perspectiva de curto prazo; desvalorização do planejamento em geral, e do planejamento estratégico em particular; adoção de estruturas organizacionais centralizadas, que dão ênfase à hierarquia e a sistemas de tomada de decisão autocráticos; uso de sistemas de controle episódico, de caráter punitivo; prática de relações
interpessoais, baseadas na docilidade e no respeito pelo poder constituído; prevalência de um estilo gerencial marcado por grande distância entre discurso e prática, que procura disfarçar formas autoritárias de poder com uma retórica de participação e envolvimento; e domínio de uma conduta gerencial sensível a modas e modismos gerenciais.
Identidade em questão. Podemos agora retomar as questões que deram origem a este ensaio, qual seja, seríamos singulares no que diz respeito ao mundo da gestão?
Teríamos um modelo exclusivamente nosso de conduzir empresas? Antes de qualquer coisa, temos de admitir que, como país, temos algumas distinções, originadas de uma combinação única de variáveis históricas, econômicas, culturais e sociais. Tais distinções, naturalmente, influenciam na forma como as empresas são aqui geridas, mas, em nosso ponto de vista, não chegam a constituir uma base sólida o suficiente para alavancar um “estilo próprio de sucesso” e para nos distinguir
ou nos diferenciar de um estilo de gestão como o norte-americano, o japonês ou o sueco. Vejamos o
porquê.
O Brasil pode e deve desenvolver um modelo próprio de gestão, coerente com suas características e que seja fundamentado em
seus traços culturais e seus pontos positivos, como a flexibilidade e a informalidade.
Em primeiro lugar, porque não somos totalmente originais. Apesar de não sermos nem norte-americanos, nem escandinavos, nem germânicos e menos ainda nipônicos, não estamos isolados. Há diversos países na América que partilham conosco condições comuns, como a mistura de etnias por exemplo. Temos a companhia de Cuba, Colômbia, Peru e vários países da América Central.
Desenvolvemos, certamente, algumas “brasilidades administrativas”, mas não a ponto de constituírem características únicas e diferenciadoras.
Em segundo lugar, porque dependemos muito do que vem de fora. Basta tomarmos como exemplo nossa avidez pela aquisição de importados, como a literatura administrativa de origem norte-americana, programas de treinamento, consultorias e MBAs. Temos até uma Feira de Management, que já se tornou um evento obrigatório para nossos executivos, na qual podemos encontrar “gurus” de outras paragens.
Em terceiro lugar, muitos dos traços de gestão considerados tipicamente brasileiros – como, por exemplo, o paternalismo e o personalismo, a tendência a adotar modelos autoritários e centralizados de gestão, a baixa exposição ao risco e ao empreendedorismo, a ausência de planos estratégicos e a visão imediatista, no estilo de “solução de crises” – podem levar a desvantagens comparativas, tendendo a dificultar o atendimento de níveis mais elevados de desempenho por parte de nossas empresas.
Por fim, pode-se afirmar que o modelo de gestão brasileiro está em transição, o que equivale a dizer que é um empreendimento ainda não consolidado. Observa-se na prática grande heterogeneidade
em sua aplicação (grande variação entre empresas e até mesmo dentro das empresas), além da presença de elementos contraditórios entre si. São exemplos dessa condição a convivência de um estilo de gestão top-down e um discurso de participação e compartilhamento de poder; ou o
foco em “gestão por competências” ao mesmo tempo em que continuam a existir práticas “personalistas” de premiação e recompensa.
A construção de um modelo. As colocações anteriores podem dar ao leitor uma impressão fatalista
de que nada podemos fazer diante do quadro descrito, exceto aceitar nossa condição de
Essa seria uma falsa conclusão. De fato, há evidências de que nossas particularidades culturais também podem gerar vantagens competitivas.
Pesquisas recentes têm demonstrado a existência de certas peculiaridades nos comportamentos de assimilação de expertise importada por parte de nossos executivos, que podem envolver a simples negação aos modelos externos e a geração de simulacros – isto é, práticas “para inglês ver” –, porém também a re-invenção criativa, graças à capacidade de adaptação e à flexibilidade típicas do gestor brasileiro.
É importante estimular o executivo brasileiro a construir um modelo de gestão que incorpore o que há de melhor e mais característico em nossa cultura e em nosso ambiente de negócios.
Um bom começo seria o reconhecimento das características locais de nosso contexto empresarial; isto é, é necessário que o executivo brasileiro olhe com mais atenção para a realidade do contexto de negócios do país, sondando suas potencialidades e estudando formatos de intervenção adaptados, o que pode ser realizado por meio do estudo da história e de nosso meio econômico, social e cultural.
Uma outra forma de desenvolver um modelo de gestão nacional seria por meio do fortalecimento dos
traços positivos de nossa cultura, que apoiariam um bom desempenho por parte de nossas empresas e profissionais.
Por exemplo, nossa flexibilidade, adaptabilidade e informalidade, e a capacidade de re-invenção
contínua de nossas instituições, hábitos e crenças. No entanto, seria também necessário combater os traços negativos, como os apresentados anteriormente neste texto, como a aversão ao risco, a dificuldade de planejamento e de construção de cenários para médio e longo prazos, o foco imediatista da gestão e as práticas autoritárias de comando e controle.
Por fim, uma última recomendação relaciona-se à necessidade de integrar esforços em torno de um modelo singular de gestão brasileira, um modelo que tenha identidade própria. A heterogeneidade que caracteriza hoje nossas práticas de gestão poderia ser combatida com descrições coerentes sobre quais traços seria adequado manter, desenvolver e disseminar. Talvez, assim, cheguemos à conclusão de que não é preciso imitar os sistemas e estilos de gestão que existem no exterior, pois não temos um único modelo de gestão, mas vários – e, sobretudo, os que ainda estão por ser inventados.
Fonte: Artigo de Carlos Osmar Bertero, Prof. do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos E-mail: cbertero@fgvsp.br
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